Como o exagero na decoração deixou de ser brega para virar tendência
SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – As paredes estão repletas de quadros. São 20 deles na sala e outros 19 no hall, cômodo que foi tomado por imagens de cachorros. O teto está coberto por papéis de parede. Quase não há espaços vazios. Sobre o sofá e a poltrona, repousam almofadas com estampas variadas, que vão do floral ao listrado.
Na casa dos atores Chay Suede e Laura Neiva, a regra de que menos é mais perdeu espaço e prevalece o maximalismo, estilo que vem conquistando famosos e anônimos. Rede social favorita dos fashionistas para a descoberta de ideias, o Pinterest diz que o excesso de fato será uma das tendências do ano. O TikTok também frisa a ideia, só que na moda, indicando que os jovens querem fugir do básico.
O apartamento do artista plástico Renato Dib é outro exemplo da tendência. Localizado na capital paulista, o imóvel de 220 metros quadrados é adornado por objetos tão variados quanto uma maraca, um pavão de bronze e uma escultura balinesa de 1902. “Tem gente que se sente um pouco perturbada pela quantidade de peças, mas é raro. Afinal, a gente vive num mundo cheio de coisas.”
Todos esses objetos, diz Dib, não foram escolhidos ao acaso, uma vez que ele e seu marido têm ligação afetiva com a decoração. “No nosso caso, é muito mais por aí do que simplesmente um colecionismo”, afirma o artista. “A beleza faz parte, mas eu acredito mais na beleza do encontro entre as peças.”
Para o arquiteto Sig Bergamin, as pessoas estão apostando no maximalismo porque querem espaços que sejam um reflexo de suas personalidades. “Elas estão cansadas de casas impessoais. São lugares iguais, dos móveis às poltronas. As coisas estão muito parecidas”, diz ele, que escreveu o livro “Maximalism”.
O arquiteto diz que esse tipo de decoração permite contar a história dos moradores por meio de quadros, cores e móveis, o que não é tão fácil em ambientes minimalistas. “É plasticamente muito bonito, mas é mais difícil de reconhecer as pessoas pela decoração.”
Se hoje o maximalismo é usado para mostrar objetos afetivos, no passado era uma forma de ostentar riqueza. Os palácios ingleses da era vitoriana, de 1837 a 1901, por exemplo, eram conhecidos pela extravagância, com cores fortes, móveis opulentos e papéis de parede espalhafatosos.
A França também não ficava para trás quando o assunto era exagero. Prova disso é o palácio de Versalhes, um monumento ao poder e à riqueza do antigo regime.
Esse estilo, porém, caiu a partir da década de 1920, por influência da Bauhaus, escola fundada na Alemanha que ajudou a moldar os rumos da arquitetura contemporânea ao influenciar profissionais como Gregori Ilitich Warchavchik, que projetou em São Paulo a primeira casa modernista da América Latina, em 1927.
Em contraposição ao exagero, a Bauhaus defendia a simplicidade das linhas puras e das formas geométricas. É nesse contexto que o conceito de menos é mais começou a ganhar força, aforismo do arquiteto alemão Mies Van Der Rohe.
“Com tudo isso, passou a ser cafona ser maximalista. Mas, para mim, menos é chato”, diz Bergamin, em referência à frase de Robert Venturi, arquiteto que era detrator do minimalismo. “Com esse estilo, você não vê nada. Você não sente tesão.”
No TikTok, a hashtag “cluttercore”, ou tendência da bagunça, acumula mais de 12 bilhões de visualizações com excesso de cores, objetos e texturas que simbolizam a desordem. “Minimalismo é para gente rica. Sou pobre. Preciso ter coisas. É quem eu sou”, diz um dos internautas num vídeo que tem mais de 200 mil curtidas na rede.
Mas Bergamin discorda. Ele diz que maximalismo não é bagunça. “Você tem que eliminar algumas coisas. Como tudo na vida, tem que ter rumo e curadoria. É uma desordem organizada.”
Apresentadora do programa “Decora”, do GNT, a arquiteta Stephanie Ribeiro reitera que maximalismo não deve ser confundido com falta de organização. “Uma coisa são casas de pessoas que sofrem com algum tipo de transtorno, como acumuladores, e outra é uma casa com decoração, identidade e olhar estético.”
A arquiteta diz que o Brasil é um país maximalista por excelência, onde cores, tramas e texturas são prevalentes na decoração. Ela diz ter notado características parecidas nas diversas casas que visitou no país, do Sul ao Norte.
“Havia renda, chita, fotos de família, toalhinha em cima de algum móvel, tapetes na cozinha. São coisas que trazem para a gente uma memória afetiva, mas que por muito tempo foram associadas a pessoas pobres”, diz ela.
Essa diferenciação social por meio da decoração pode ser vista inclusive na teledramaturgia. De acordo com a arquiteta, personagens ricos tendem a morar em casas mais minimalistas, enquanto pessoas pobres vivem em espaços coloridos e repletos de objetos.
Como exemplo, ela cita “A Grande Família”, produção incontornável da TV Globo na qual a casa do elenco principal era uma profusão de peças e cores.
A televisão também acompanhou, diz ela, a queda do maximalismo. Na década de 1980, afirma, a decoração costumava ser mais ousada, inclusive nas casas de personagens ricos. Isso mudou a partir dos anos 2000, quando tons neutros passaram a predominar, numa estética ligada ao chamado estilo escandinavo, conhecido por tons frios e contenção estética.
“Para muita gente, a sofisticação está associada ainda a esses padrões de bege, cinza e tons claros”, diz a arquiteta. “Mas, se a gente for olhar nas ruas, o Brasil não é um país neutro. A gente não é cinza ou branco. Então, por que precisamos associar a sofisticação à neutralidade?”
Ela diz observar uma valorização da identidade nacional na decoração, motivo pelo qual o maximalismo tem conquistado adeptos. Outro ponto de inflexão, diz, foi a pandemia, quando muitas pessoas perceberam a importância de uma casa acolhedora em razão da quarentena.
“O lugar onde a gente vive reflete muito o nosso psicológico e impacta nosso bem-estar”, afirma a arquiteta, acrescentando que o acesso a casas confortáveis deveria ser democratizado. “A gente tem o direito de viver bem e com dignidade. Isso não é luxo.”
O design de interiores de fato tem virado um aliado na busca por qualidade de vida. Não à toa, a hashtag “dopamine decor”, em alusão à dopamina, conhecida como o hormônio da felicidade, viralizou nas redes sociais ao apostar no maximalismo para estimular alegria. Para isso, são usadas plantas em abundância e cores vibrantes.
O influenciador digital Jonny Carmack, um dos principais a divulgar a tendência maximalista nos Estados Unidos, diz associar a decoração à saúde mental. Em tratamento contra a ansiedade, ele decidiu fazer da própria casa um ambiente alegre. “O objetivo era torná-la um lugar difícil de ficar triste. Ter uma decoração tão divertida fez exatamente o que eu queria.”
Repleta de tons de rosa e objetos vintage, a decoração remete à casa da Barbie, cenário que foi a inspiração do americano. “A vida fora da nossa bolha pode ser muito feia, então ter um espaço seguro para onde voltar é fundamental”, diz ele, para quem o imóvel é uma extensão de sua personalidade. “Sou meio estranho e fora do comum tanto quanto a minha casa. Ela é realmente a minha segunda pele.”