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James Webb está perto de ver o amanhecer cósmico, diz astrônomo

SALVADOR NOGUEIRA
SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – Mais de duas décadas depois de ajudar a conceber o Telescópio Espacial James Webb, o astrônomo britânico Richard Ellis, do University College de Londres, acredita que nunca estivemos tão próximos de vislumbrar o amanhecer cósmico -o momento em que as primeiras estrelas e galáxias começaram a brilhar no Universo.

Um dos objetivos do satélite, que a essa altura já tem mais de um ano de observações científicas concluídas, era justamente sondar as profundezas do cosmos, o que equivale a observar o passado, já que a luz desses objetos mais distantes leva bilhões de anos para chegar até nós. E é o que ele está fazendo.

“O Universo tem 13,8 bilhões de anos. E o [Telescópio Espacial] Hubble olhou para trás, para quando o Universo tinha 500 milhões de anos. O Webb viu outros 200 milhões de anos para trás no tempo, e o que descobrimos é que as galáxias que vemos nessas regiões previamente inexploradas são mais brilhantes do que esperávamos, o que sugere que de algum modo as estrelas nelas são diferentes”, disse Ellis, em conversa com a Folha.

A entrevista ocorreu durante sua visita ao Brasil para participar do III NAT Lectures in Astrophysics, evento organizado pelo Núcleo de Astrofísica da Unicid (Universidade Cidade de São Paulo) neste mês.

“Acho que isso está nos dizendo que estamos próximos do amanhecer cósmico, mas não entendo o que mais está nos dizendo. Sinto no ar que é empolgante, mas ainda não sei por quê. Estamos nos aproximando de uma descoberta.”

Ellis destaca que estudos recentes vêm mostrando que o Universo parece ter amadurecido bem rápido -talvez mais rápido do que prevê o modelo cosmológico padrão, nossa principal teoria para explicar a evolução do cosmos desde o Big Bang. Mas ele acha que é cedo para descartá-la.

“Tem havido alguma controvérsia de que talvez as galáxias tenham se desenvolvido rápido demais, que nos primeiros 500 milhões de anos se formaram galáxias tão grandes quanto a Via Láctea, e isso desafiaria o modelo cosmológico padrão”, diz. “Os jornais adoram a história, mas acho que não estamos ainda nesse ponto.”Leia a seguir os principais trechos da entrevista.

PERGUNTA – O senhor esteve envolvido com a concepção original do Telescópio Espacial James Webb, nos anos 1990. Como é vê-lo agora no espaço?
RICHARD ELLIS – Sim, eu fui o único astrônomo europeu no comitê que foi montado pelos americanos em 1993 para pensar sobre a próxima grande coisa, tão pouco tempo depois do lançamento do Hubble, em 1990. Escrevemos nosso relatório em 1996 e propusemos o que chamamos de Telescópio Espacial de Próxima Geração, que no fim seria batizado de James Webb. Mas levou 25 anos daquele relatório ao lançamento, no dia de Natal de 2021, e houve muitos altos e baixos. Eu estava lá no início, quando propusemos a ciência que o Webb poderia fazer, e havia dois temas, duas grandes questões que o motivaram: uma era achar planetas como a Terra em torno de outras estrelas e a outra era olhar para o passado, para quando as primeiras galáxias surgiram e as primeiras estrelas brilharam, e o que é empolgante é que no primeiro ano de resultados científicos do Webb nós fizemos grandes progressos em ambas as questões.

P. – O Webb então está preenchendo as expectativas criadas quando ele foi concebido?
RE – Até mais que isso. Seu desempenho é melhor do que esperávamos. É mais eficiente talvez porque fomos cautelosos sobre quão precisamente seríamos capazes de produzir os instrumentos e, em segundo lugar, o lançamento. A partida, da Guiana Francesa, foi tão perfeita que o telescópio tem mais combustível, de forma que pode sobreviver em sua posição por 20 anos, em vez do que havia sido planejado -5 a 10 anos. É ótima notícia.

P. – Seu foco de pesquisa é no lado cosmológico da coisa, nas primeiras galáxias e estrelas do Universo. O Webb já trouxe surpresas?
RE – Trouxe de fato. Com o Hubble, nós conseguimos ver o Universo quando ele tinha 5% de sua idade atual. O Universo tem 13,8 bilhões de anos. E o Hubble olhou para trás, para quando o Universo tinha 500 milhões de anos. O Webb viu outros 200 milhões de anos para trás no tempo, e o que descobrimos é que as galáxias que vemos nessas regiões previamente inexploradas são mais brilhantes do que esperávamos, o que sugere que de algum modo as estrelas nelas são diferentes.

P. – Será possível determinar se elas são da chamada População 3, as hipotéticas primeiras estrelas surgidas no Universo?
RE – Espero que sim. O sinal que procuramos seria o de uma galáxia que não tem os elementos pesados, como carbono, oxigênio, nitrogênio, ferro, porque todos eles são feitos em estrelas, de modo que a primeira geração delas só poderia conter hidrogênio e hélio. Já há duas galáxias candidatas do Webb em que pesquisadores acreditam ter encontrado essa População 3, mas o ônus da prova é muito estrito. Acho que esses estudos ainda não são convincentes, mas, com um ano, já estamos encontrando candidatos possíveis de População 3. É muito empolgante e estou otimista de que faremos essa detecção em algum momento.

P. – Os resultados dos últimos anos parecem sugerir a imagem de um Universo que teve uma adolescência muito curta. Ele vai de Universo bebê a maduro muito rápido. É uma avaliação correta?
RE – Sim, galáxias maduras, que estão em rotação e parecem familiares, surgiram no primeiro bilhão de anos, então, se o Universo fosse um ser humano e sua idade de 13,8 bilhões de anos fosse uma vida humana, aos cinco anos de vida ele já seria um adulto. Ele amadureceu muito rapidamente.

P. – Isso se alinha com nosso modelo cosmológico mais aceito?
RE – Tem havido alguma controvérsia de que talvez as galáxias tenham se desenvolvido rápido demais, que nos primeiros 500 milhões de anos se formaram galáxias tão grandes quanto a Via Láctea, e isso desafiaria o modelo cosmológico padrão. Mas a maioria dos astrônomos acha que as massas dessas galáxias são muito incertas e que os resultados não são tão convincentes. Claro, os jornais adoram a história de que o modelo padrão da cosmologia precisa ser jogado fora, mas acho que não estamos ainda nesse ponto.

P. – Em compensação, há uma controvérsia real na cosmologia no momento, que é a chamada tensão de Hubble, o fato de que medimos diferentes valores para a constante de Hubble dependendo do método usado. Como o senhor vê isso, e o Webb pode ajudar?
RE – O Webb pode ajudar. Os dois métodos que estão em tensão são os de escala próxima e distante. A constante de Hubble é a taxa em que o Universo está se expandindo hoje, e podemos medi-la localmente ao olhar para estrelas variáveis em galáxias, cujo período de variabilidade nos diz quão luminosas elas são. Se sabemos isso, e vemos quão brilhantes elas são vistas da Terra, podemos obter a distância. E, claro, medimos a expansão do Universo com a velocidade das galáxias. Mas o resultado que obtemos desses parâmetros é significativamente diferente do que obtemos da estrutura no brilho do Big Bang [a radiação cósmica de fundo].
Na minha opinião, há incertezas suficientes no método local para que essa discrepância não seja ainda convincente. Mas o Webb tem a capacidade, sendo mais poderoso que o Hubble, de estender essas medidas locais até mais longe, e com mais precisão. É cedo ainda, mas eu espero que o Webb faça medições melhores que vão ou confirmar a discrepância com maior significância ou mostrar que a tensão é falsa. Se a tensão sobreviver, aí sim, há algo errado com o modelo padrão do Universo. Pode ser que a história inicial de expansão tenha alguma característica que ainda não entendemos, o que seria empolgante, mas eu pessoalmente não acho que já estamos lá. Não perco meu sono com isso.

P. – Tem alguma questão que o faz perder o sono?
RE – Esse negócio de por que essas galáxias são mais brilhantes. Eu não diria que perco o sono, mas fico empolgado que essas galáxias que o Webb está encontrando são mais brilhantes que o esperado. E acho que isso está nos dizendo que estamos próximos do amanhecer cósmico, mas não entendo o que mais está nos dizendo. Sinto no ar que é empolgante, mas ainda não sei por quê. Estamos nos aproximando de uma descoberta.

RAIO-X
Richard Ellis, 73
Graduado em astronomia no University College de Londres (UCL) com doutorado em astrofísica na Universidade de Oxford, Ellis foi o único astrônomo europeu a participar do comitê que concebeu, em 1996, o que viria a ser conhecido como o Telescópio Espacial James Webb, lançado em 2021. Hoje ele é professor de astrofísica do UCL e trabalha com cosmologia observacional, mais especificamente a origem e evolução das galáxias. É autor do livro “When Galaxies Were Born: The Quest for Cosmic Dawn” (Princeton University Press, 2022; quando as galáxias nasceram: a busca pelo amanhecer cósmico).