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Mulheres entram para história das Forças Armadas e se tornam primeiras combatentes da Marinha

ALÉXIA SOUSA
RIO DE JANEIRO, RJ (FOLHAPRESS) – “Eu não tinha noção da grandiosidade disso tudo assim que eu entrei. Somente agora caiu a ficha de que estou entrando para a história da Marinha”, disse a nova soldado fuzileiro naval, Jamille de Souza Franklin, 21.

Junto de outras 113 jovens mulheres, ela se formou na primeira turma de combatentes da Força nesta sexta-feira (5). O grupo passou por quatro meses de treinamento intenso no Centro de Instrução Almirante Milcíades Portela Alves, no Rio de Janeiro, para integrar a tropa de elite.

A partir de agora, as mulheres passam a ocupar todos os corpos e quadros da Marinha, que é a primeira entre as três Forças Armadas brasileiras a ter participação feminina na linha de frente do combate.

“O mais difícil não foi dar conta da parte física, como muitos pensam, mas trabalhar o psicológico e entender que nada pode me limitar”, afirmou Jamille, que disse se inspirar em outras mulheres, a começar pela própria mãe, policial.

“Tenho três irmãos e comecei a trabalhar aos 16 anos para ajudar em casa, fazendo de tudo um pouco”, diz ela, que já foi vendedora, garçonete e jovem aprendiz administrativa. “Agora quero seguir carreira na Marinha, terminar minha graduação em educação física, e, daqui a alguns anos, construir minha família também, sonho em ser mãe”, disse.

Continuar desbravando as fronteiras nas Forças Armadas é resposta comum entre as novas fuzileiras. Depois de quatro meses de intenso treinamento militar, elas afirmam querer superar mais desafios e abrir caminhos para as futuras gerações.

“Sonho com isso desde criança, mas não imaginava como ocuparia esse lugar. Vou seguir carreira na Marinha e ser instrutora para turmas futuras”, afirmou a catarinense Letícia Cristina Alves.

Ela saiu do estado pela primeira vez aos 19 anos, direto para o internato no centro de instrução.

“Minha maior dificuldade foi não ter o apoio da minha família aqui. Isso me desestabilizou muito. No momento em que tivemos liberação para sair do campus, tive que ficar na casa de uma colega do quartel, que me acolheu”, contou a jovem.

Nas primeiras semanas, o curso de fuzileiros navais ocorre em regime de internato. Após dois meses, é permitido uma visita de três horas com a família no centro de treinamento. Somente a partir do terceiro mês é que é possível sair, aos finais de semana.

Também para Fabiana Damaceno, 20, lidar com o distanciamento da família foi o mais difícil. Ela veio de Itiúba, no interior da Bahia.

“Eu nunca tinha saído da minha cidade quanto mais do estado, e vir para a capital do Rio de Janeiro foi muito desafiador. Diferente de muitas das minhas colegas aqui, eu não tenho ninguém na família na área militar, então é realmente tudo muito novo para mim”, conta.

“Se eu fosse deixar uma mensagem para as próximas soldados, eu diria para fortalecer a mente e se apegar na sua fé, naquilo que você acredita. Nunca imaginei que hoje estaria na primeira turma de fuzileiras navais, e deixando um legado para o corpo de fuzileiros, para a Marinha do Brasil, e às futuras gerações de mulheres”, afirmou.

“Mas não é fácil treinar armada, equipada, com mochila pesada, sendo subestimada pela sociedade. Porém, quando menos espera, você está concluindo uma corrida de 16 quilômetros, mesmo com todo esse peso físico e mental. Foi o que aconteceu comigo”, afirmou Fabiana.

Formaram-se nesta sexta 660 novos Soldados Fuzileiros Navais, sendo 546 homens e 114 mulheres. Após a conclusão do curso, os combatentes podem ser designados para servir em organizações militares da Marinha em qualquer parte do território nacional.

Para isso, os aprendizes passam por rotina intensa de exercícios físicos e estudos. Mulheres e homens acordam às 4h, fazem faxina em seus respectivos alojamentos e se arrumam para entrar em formação.
Somente depois descem para o café da manhã e seguem para o cronograma do dia, com atividades físicas e estudos obrigatórios em sala de aula. Normalmente, são liberados para dormir a partir das 22h, mas há dias de serviço de madrugada.

A recém-soldado Jamille Franklin afirma que a tensão para lidar com a rotina intensa reflete em questões fisiológicas. “A maioria das meninas para de menstruar. Eu, por exemplo, só voltei depois que passamos a ter liberação de saída aqui da base, porque aí a gente vai em casa e relaxa. Mas, durante o internato, eu não menstruei nenhum dia”, relatou.

Na avaliação da capitão tenente fuzileiro naval, Giselle Rebouças, o desempenho das mulheres nas atividades não sofre impacto por conta do período menstrual.

“Ninguém aponta isso como dificuldade ou empecilho para desenvolver qualquer atividade. É uma coisa que a gente tem que lidar, muitas optam pelo uso contínuo do anticoncepcional para interromper a menstruação. Elas têm muitas atividades aquáticas, mas conseguem administrar da melhor maneira possível”, afirmou.

Há 18 anos na Marinha, a capitão tenente foi treinada para ser instrutora da primeira turma de soldadas. “Fazer parte desse momento histórico é muito gratificante, melhor ainda ver o avanço das Forças Armadas com esse progresso na Marinha”, disse a capitão, que vibra ao falar das adaptações para receber a turma de mulheres.

“O campus já tinha sistema de videomonitoramento, mas, com a chegada delas, foi feito aprimoramento com câmeras no entorno do alojamento, onde também foi implementado sistema de reconhecimento facial, que permite acesso somente de alunas e instrutoras”, explicou.

Outra adaptação foi a compartimentação dos banheiros -diferentemente dos homens, elas têm esse espaço individualizado. Também foram colocadas tomadas próximas aos espelhos para uso de secador de cabelo após as atividades aquáticas.

O capitão de mar e guerra Vanderli Júnior, comandante do centro de instrução, disse que o planejamento para receber a primeira turma de soldados mulheres ocorreu a partir de estudos e intercâmbios, como o firmado com a Marinha dos Estados Unidos, que já tem atuação feminina no combate.

“Houve preparação de dez instrutoras porque não tínhamos militares combatentes femininas, então trouxemos sargentos músicas fuzileiras, que se prepararam por um ano acompanhando a dinâmica desse curso, que é bem diferente do que elas fizeram para entrar. A preparação física e técnica foi bem intensa para assumir o cargo de instrutoras”, afirmou.

“Também trouxemos médicas, enfermeiras e fisioterapeutas mulheres. Além disso, chamamos preparadores físicos para fazer um trabalho de desenvolvimento muscular gradual. Porque todos são submetidos ao mesmo esforço aqui, mas a composição muscular entre homens e mulheres é diferente”, disse o comandante.

A Marinha foi precursora da participação feminina, com abertura de vagas, em 1981, mas em funções administrativas. Nos anos 1990, houve uma reestruturação que ampliou a participação em cargos de direção, comando e comissões, culminando com a promoção da primeira oficial general em 2012. Atualmente, 8.362 mulheres fazem parte dos quadros da força.

A atuação feminina no combate da Marinha antecipa a determinação do Ministério da Defesa que prevê, a partir de 2025, o alistamento voluntário de mulheres nas Forças Armadas.