Planejamento financeiro passa por mudança no estilo de vida, diz especialista
LUCAS BOMBANA
SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – Gustavo Cerbasi, 50, especialista em inteligência financeira e sócio da plataforma SuperRico Projetos de Vida, é um dos precursores no mercado de educação financeira no país, autor de livros como “Casais Inteligentes Enriquecem Juntos”, que inspirou o filme “Até que a Sorte nos Separe”.
Ele tem quase 4 milhões de seguidores nas redes sociais e recentemente lançou a plataforma SuperRico, cuja proposta é conectar planejadores financeiros com pessoas em busca de aconselhamento para lidar melhor com o próprio dinheiro.
Segundo Cerbasi, mais do que tratar de alternativas de investimento, o principal foco nas publicações que faz nas redes é trabalhar aspectos comportamentais, que ajudem as pessoas a vencer os bloqueios e as dificuldades para lidar com o dinheiro.
Ele defende que o grande resultado do trabalho de planejamento financeiro é conferir ao cliente uma vida com mais paz, previsibilidade e tranquilidade.
“Não tentamos encaixar a independência financeira no estilo de vida da pessoa. Nós priorizamos a independência financeira e a construção dos sonhos, e aí ajustamos o estilo de vida nessas projeções que são feitas”, afirma Cerbasi em entrevista à Folha.
Ele acrescenta que, normalmente, o planejamento financeiro passa pela modelagem de uma vida ideal para que a pessoa alcance os objetivos bem diferente da vida atual que a pessoa vinha levando até então.
“Se estamos falando de reduzir custo fixo, estamos falando, sim, de potencialmente comprometer algum grau de conforto que a pessoa tem no seu meio de transporte, na sua moradia”, assinala o especialista.
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Folha – Qual a sua definição para o conceito da independência financeira?
Gustavo Cerbasi – Independência financeira tem a ver com o grau de certeza que podemos ter sobre o planejamento financeiro. Podemos falar de independência financeira total ou parcial. A independência financeira parcial é quando a pessoa tem uma renda que depende apenas dela. É um trabalho que ela exerce como profissional liberal, como autônomo, atividades que, se forem interrompidas, a pessoa pode optar por ter uma cobertura de seguro que dê uma certa continuidade.
A independência financeira é total quando ela já tem um patrimônio ou um mecanismo de geração de renda que proporcione essa estabilidade sem depender do trabalho dela. Vamos supor que a pessoa tenha um custo de vida de R$ 10 mil por mês e tenha um patrimônio de R$ 1,2 milhão, que é o suficiente para proporcionar perpetuamente esse rendimento. Essa pessoa pode até estar trabalhando na fase produtiva da vida, mas ela é financeiramente independente porque, se ela tiver que parar de trabalhar, ela consegue manter os gastos mensais dela com o rendimento do patrimônio, seja previdência, sejam imóveis, sejam aluguéis, seja rendimento de carteira de ações, algo nesse sentido.
Folha -A independência financeira é uma demanda recorrente por parte de clientes que lhe procuram?
Gustavo Cerbasi – Como o trabalho de planejador financeiro ainda é pouco conhecido no Brasil, as pessoas procuram a SuperRico, procuram um planejador financeiro, em um primeiro instante, com o objetivo de ter uma rentabilidade melhor dos seus investimentos. Mas esse seria o trabalho do consultor de investimentos, um trabalho até que acontece com bastante imprecisão.
O que a pessoa acaba descobrindo ao conversar com o planejador financeiro é que, primeiro, nós não discutimos carteira de investimentos antes de entender quais são os projetos que a pessoa quer concretizar, incluindo independência financeira, reforma da casa, troca de casa e automóvel, educação dos filhos e projetos de menor porte ou menor prazo, como viagens, enfim, experiências. É quando temos uma noção mais completa dos objetivos que a pessoa tem, que chamamos de curva de vitalidade financeira, e, a partir da curva de vitalidade financeira, explicamos para o cliente o quão distante ele está da capacidade de alcançar a independência financeira, ao mesmo tempo que realiza os demais projetos de vida.
Folha – Quais são as recomendações que o sr. passa para essas pessoas?
Gustavo Cerbasi – São recomendações diversas, porque recebemos diariamente tanto pessoas que estão endividadas quanto pessoas que recebem algum tipo de patrimônio, herança, bonificação, aumento de renda. E a orientação normalmente começa pela inversão da ordem nas escolhas. Não tentamos encaixar a independência financeira no estilo de vida da pessoa. Nós priorizamos a independência financeira e a construção dos sonhos, e aí ajustamos o estilo de vida nessas projeções que são feitas.
Para que fique claro, normalmente trabalharemos na vida do cliente a modelagem de uma vida ideal para que a pessoa alcance os objetivos, mas que normalmente será uma vida ideal bem diferente da vida atual. As principais consequências são ajuste no estilo de vida, revisão dos custos fixos, estímulo a substituir parte do que é custo de vida para uma qualidade de vida, um consumo de cuidados pessoais, lazer, experiências que permitam à pessoa se desenvolver como profissional, como ser humano e aumentar o seu potencial de trabalho na carreira.
Folha – Quais são os principais passos que uma pessoa que busca a independência financeira precisa seguir?
Gustavo Cerbasi – O segredo está na ordem das escolhas. O primeiro ponto, o mais importante, tem que entender que a renda que é obtida com o trabalho não é uma renda para custear a vida no mês. Trabalhamos para pagar a vida como um todo e temos que entender que haverá um momento da vida em que não desejaremos trabalhar. Partimos do conceito do equilíbrio, em que o dinheiro que ganho com o trabalho será fracionado entre custo de vida presente e a manutenção desse custo de vida futuro. Isso é muito importante, não vamos simplificar a vida presente para tentar ter uma vida melhor no futuro. Vamos maximizar ou otimizar a vida presente com a maior qualidade possível, com lazer, com cuidados pessoais, provavelmente simplificando o custo de vida.
Se estamos falando de reduzir custo fixo, estamos falando, sim, de potencialmente comprometer algum grau de conforto que a pessoa tem no seu meio de transporte, na sua moradia, mas comprometemos o grau de conforto nesses itens para aumentar, ou até incluir, um grau de conforto que não exista, em itens que consideramos também importantes, que são os itens de autodesenvolvimento.
Folha – Quais são as ações que devem ser evitadas por aqueles que buscam a independência financeira?
Gustavo Cerbasi – Vivemos em uma sociedade em que 78% dos adultos estão endividados, com compromissos financeiros que não planejaram ter. O erro a ser evitado é fazer o que todo o mundo faz. São situações como, ao comprar uma moradia, procurar no banco uma solução para moradia. O banco vende a solução do financiamento ou consórcio, e, historicamente, sugere que a pessoa comprometa até 30% da renda dela ao custear a moradia. Normalmente a maioria das pessoas vai aceitar esse limite. Ao fazer isso, está repetindo o erro que quase a totalidade da população adulta brasileira comete, que é se colocar em uma situação de endividamento.
Não podemos seguir esse modelo de ir ao banco entender qual é a casa que nós podemos ter, ir à loja descobrir qual é o carro pelo qual nós podemos pagar. Temos que ter uma estratégia montada antes, uma estratégia que leve em consideração o que iremos construir ao longo do tempo, e com base no que queremos construir ao longo do tempo, adotar um estilo de vida limitado justamente por essa construção que queremos de objetivos futuros, e consequentemente, adotando uma vida mais simples que a maioria das pessoas adota. Mais simples em termos de custo fixo de vida, porém mais rica em termos de custos variáveis.
Folha – Quais os desafios comuns que mais costumam aparecer no caminho daqueles em busca da independência financeira?
Gustavo Cerbasi – Os adultos brasileiros não tiveram educação financeira. Essa educação financeira começou muito recentemente no Brasil, e o que tivemos também recentemente no Brasil foi um boom, uma moda da educação financeira, que trouxe ao público tanto orientações de qualidade quanto orientações superficiais. As orientações superficiais me preocupam muito, porque uma população sem uma boa base educacional é uma população muito suscetível a convites que são feitos para atalhos. Atalhos para rentabilidades milagrosas, atalhos para adquirir bens de maneira que vai deixar a família sufocada financeiramente por muitos anos, para adquirir algum item de conforto, de luxo que possa ser ostentado, mas que não tenha a devida qualidade, todas as escolhas ruins do ponto de vista do dinheiro são fruto de uma má educação financeira.
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