Rússia transfere opositor Navalni para prisão em local desconhecido
SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – O líder oposicionista russo Alexei Navalni foi removido da colônia penal em que ele estava preso desde o ano passado para uma cadeia em local ainda não revelado, segundo sua porta-ovz, Kira Iarmich.
“Para onde o levaram, eles se recusam a dizer”, escreveu ela no X, o ex-Twitter, sobre os funcionários da cadeia em que Navalni estava, a IK-6, em Melekhovo (235 km a leste de Moscou).
Em agosto, o ativista, 47, teve sua sentença de 11 anos e meio ampliada em mais 19 anos, em um julgamento que o considerou culpado por extremismo contra o Estado russo. Com isso, ele seria levado a um regime mais restrito de prisão.
O sumiço de Navalni, em um processo de transferência que na Rússia costuma levar semanas, ocorre no mesmo momento em que a campanha presidencial de 2024 foi disparada. Na semana passada, a Justiça Eleitoral marcou a votação para três dias de forma virtual e um dia de eleição de primeiro turno, 17 de março.
Além disso, o presidente Vladimir Putin confirmou o que todos sabiam, sua intenção de disputar o pleito. Outros concorrentes poderão vir dos partidos de oposição cuja ação é aprovada pelo Kremlin, como o Comunista e o liberal Iabloko (maçã, em russo).
Há outros dois pré-candidatos independentes e um terceiro que está preso, o líder rebelde do leste ucraniano Igor Girkin, que era aliado de Putin e está sendo acusado de extremismo por criticar a condução da guerra.
“Não é segredo quem é o principal oponente de Putin nessas ‘eleições’. Ele quer ter certeza de que a voz de Navalni não serrá ouvida”, escreveu no X Leonid Volkov, assessor de Putin, para quem o momento da transferência foi “0% coincidência e 100% controle político direto do Kremlin”.
A Casa Branca se disse “profundamente preocupada” com relato do desaparecimento do ativista.
A Justiça russa é independente em teoria, mas altamente alinhada aos desígnios do governo. Navalni tentou disputar a Presidência em 2018, mas foi barrado devido a uma condenação por suposto desvio de dinheiro numa província.
Em 2020, o ativista foi envenenado enquanto trabalhava com políticos opositores numa campanha na Sibéria. Ele foi levado para tratamento na Alemanha, o que fez a Justiça russa considerar que ele violou sua liberdade condicional naquela primeira sentença, que estava suspensa.
No começo de 2021, ele voltou à Rússia e foi imediatamente preso, sendo julgado e tendo suas penas aumentadas progressivamente. Houve vários protestos de rua em favor dele, reprimidos com violência. Com o aumento da censura e do clima geral contrário a dissenso após a invasão da Ucrânia, em 2022, Navalni foi desaparecendo da vista pública.
Além de ser crítico do putinismo, que chamava de regime de ladrões e vigaristas em seus populares vídeos no YouTube, Navalni passou a emitir críticas contra a guerra -embora ele já tivesse apoiado antes a anexação da Crimeia, ocorrida em 2014.
Figura muito conhecida no Ocidente, cuja mídia costuma incensar figuras de oposição russas desde que Putin passou a ser percebido como um adversário perigoso, no fim dos anos 2000, ele não tinha muito apoio doméstico apesar das eventuais manifestações.
Talvez pelo engessamento político russo e pela apatia do eleitorado, ele nunca figurou com mais de 5% de intenções de voto em pesquisas de opinião. Sua estatura cresceu após a prisão, principalmente entre os mais jovens, mas ele segue sendo mais admirado fora do país do que dentro dele, a exemplo do que ocorreu no passado com o enxadrista Garry Kasparov ou com o bilionário Mikhail Khodorkovski.
Sem um candidato óbvio à mão, e tendo diversos integrantes sendo presos ou buscando o exílio, o time de Navalni segue recorrendo à criatividade. O grupo espalhou outdoors cifrados em Moscou e São Petersburgo na semana passada com a frase: “Rússia – Feliz ano novo” e um QR code que levava a uma página da campanha Putin Não!, que pede para que os eleitores simplesmente se abstenham de votar no ano que vem.
Putin está no poder desde 1999, quando assumiu como premiê e herdou a Presidência na virada do ano, com a renúncia de Boris Ieltsin. De lá para cá, elegeu-se quatro vezes presidente e cumpriu quatro anos como premiê de seu protegido Dmitri Medvedev, sem nunca deixar o comando do jogo político. É o líder russo moderno mais longevo desde o ditador soviético Josef Stálin.