Trump faz aliados desistirem de comprar caças dos EUA
IGOR GIELOW
SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – A diplomacia agressiva de Donald Trump começou a causar efeitos negativos para a poderosa indústria de defesa dos Estados Unidos, com aliados históricos de Washington decidindo cancelar a compra de aviões de combate americanos de última geração.
Canadá e Portugal anunciaram nos últimos dias estar atrás de opções à aquisição do caça F-35, modelo da americana Lockheed Martin que vinha se tornando o padrão das forças da Otan, a aliança militar liderada pelos EUA, com uma série de vendas na esteira da invasão russa da Ucrânia, em 2022.
A concorrência já sentiu o cheiro de sangue. Neste sábado (15), o presidente francês, Emmanuel Macron, vestiu o figurino de lobista da indústria de seu país e ofereceu o caça Dassault Rafale àqueles que estão com dúvidas acerca da compra do F-35 -e não só.
“Aqueles que compram sistemas Patriot devem receber oferta da nova geração franco-italiana SAMP/T. Aqueles que compram F-35 devem receber ofertas de Rafale”, disse, colocando no pacote uma alternativa ainda não testada às famosas baterias antiaéreas americanas.
Ele mirava especificamente canandenses e portugueses, agastados com Trump por motivos diferentes. Até aqui, foram empresas americanas as que mais lucraram com o aumento do gasto militar europeu devido à percepção de risco vindo de Moscou com a guerra.
No caso do país norte-americano, a questão é a posição do presidente desde o começo de seu mandato, repetindo diversas vezes que seria adequado anexar o Canadá e colocando o vizinho na primeira fila de sua guerra tarifária.
Em 2022, os canadenses anunciaram a compra de 88 F-35, um avião da chamada quinta geração, termo arbitrário para aparelhos furtivos ao radar, com alto poder de fusão de dados e características como o voo suspersônico sustentado sem pós-combustão, que gasta muito combustível.
Estimada em quase R$ 80 bilhões, a compra era uma das mais suculentas do mercado, e o F-35 derrotou o Rafale e o sueco Saab Gripen E/F, modelo comprado e operado pelo Brasil.
Reconduzido ao cargo após a troca de premiê do país, o ministro Bill Blair (Defesa) disse que o F-35 “foi apontado pela nossa Força Aérea como a plataforma que ela precisava, mas estamos examinando outras alternativas”.
O tom deixa aberta a porta para negociar termos com os americanos, mas o fato é que o azedume na relação entre os países pode de fato zerar o jogo. Hoje, Ottawa voa 89 antigos caças americanos F-18 Hornet.
Já o caso português reflete o mal-estar com a política de Trump em relação aos aliados europeus da Otan. Desde antes da posse, o americano cobrava maior gasto do continente com defesa, algo que já havia feito no mandato anterior, de 2017 a 2021.
No cargo, Trump deu um cavalo de pau na política até então de ordem unida contra a Rússia sobre a Ucrânia e alinhou-se à visão de Vladimir Putin sobre a origem do conflito, isolando Kiev e deixando europeus de fora das negociações de paz que abriu.
Isso levou a uma reação liderada por Macron e o premiê britânico, Keir Starmer. A UE (União Europeia) anunciou um plano mirabolante de gastos militares que chegaria ao longo dos anos a R$ 5 trilhões, o dobro do que todos os países da Otan fora os EUA gastam anualmente com defesa.
Na quinta (13), o ministro da Defesa português, Nuno Melo, disse que seu país já não considera a compra do F-35, o que seria o caminho natural para um operador do F-16, o venerando caça da mesma Lockheed Martin que era o padrão da Otan na geração passada. “O mundo mudou”, disse.
Lisboa opera 34 F-16 antigos, que segundo Melo chegaram ao fim de sua vida útil. Novamente, os franceses irão fazer lobby pelo Rafale, mas as características do país e o menor orçamento militar abrem uma janela de oportunidade para o Gripen -um caça mais barato de operar que o modelo de Paris.
O Rafale é um caça da chamada geração 4,5, ou seja, não tem as capacidades furtivas de um F-35, mas diversos recursos avançados. Já foram feitos 286 deles, 141 dos quais operados pelos franceses e os restantes, por Croácia, Grécia, Índia, Egito, Qatar e Emirados Árabes Unidos. Os sérvios deverão receber o modelo em breve.
O avião demorou para engatar como produto externo. Perdeu concorrências importantes, como para o Gripen no Brasil em 2013 ou no Canadá e na Finlândia mais recentemente, mas vive uma fase de renovado interesse do mercado.
O pulo do gato agora é o interesse alemão. Assim que estourou a guerra, Berlim anunciou aumento de gastos militares e a compra não só dos modelos europeus Eurofighter, mas também a aquisição de 35 F-35 para substituir os antigos Panavia Tornado na função de emprego de bombas nucleares táticas americanas.
Agora, há uma pressão para a europeização dos arsenais do continente, o que pode mudar a lista de desejos alemã.
Macron também tem oferecido a ampliação de seu guarda-chuva nuclear para outros países europeus, dado que seu comando de armas atômicas é independente do da Otan, que reúne bombas táticas lançadas por caças americanas e ogivas estratégicas britânicas disparadas de submarinos.
O arranjo, contudo, é difícil e o cobertor, curto. A França poderia postar alguns de seus Rafale com mísseis de cruzeiro nucleares na Alemanha ou na Polônia, mas isso serviria mais para provocar os russos do que para gerar uma dissuasão efetiva, que ainda depende dos EUA.